quinta-feira, 10 de abril de 2014

Dia 0 - À procura do local para o nosso lar

“Flor Agreste”

Depois de muito refletirmos sobre os prós e os contras de mudarmos a nossa vida de forma aparentemente tão radical, surgiu serenamente "A Decisão" - Vamos avançar! Estávamos em Março de 2013. Depois da decisão "Vamos fazer!" logo começaram a surgir as primeiras de muitas questões - "Como o fazer"? 

A habitação é a base de várias necessidades humanas básicas. Ainda que variem de pessoa para pessoa, ter um abrigo confortável, seguro, alimentação suficiente e de qualidade são aspetos para nós imprescindíveis, ainda mais com a chegada iminente da Sofia. Escolher o local para viver dentro das nossas necessidades, aspirações e possibilidades foi assim uma das primeiras preocupações. Outra face desta moeda é como gerir o problema da nossa casa de Lisboa. Com um empréstimo bancário a 18 anos de acabar, como iríamos fazer?

Prover uma família com alimentos que não estejam impregnados de agrotóxicos tem (pelo menos) duas repercussões fundamentais diretas: na nossa saúde e na saúde do ambiente. Cada vez mais estamos convencidos que, tal como nós, muitas pessoas se vissem como os seus alimentos são produzidos simplesmente não os consumiriam. A maioria de nós, principalmente os citadinos, afastou-se de tal maneira da origem das coisas que consome que não tem a consciência das verdadeiras repercussões dos seus atos, aparentemente inócuos, de consumo.

A alimentação é talvez o exemplo mais flagrante: comer um frango que passou pouco mais de duas dezenas de dias num espaço exíguo, distante, longe da nossa vista, a comer dia e noite produtos que promovem o seu crescimento acelerado, não tem o mesmo impacto que comer um frango criado por nós ou por um vizinho em quem temos confiança; da mesma forma, comer uma alface que se nos apresenta imaculada, amplamente adubada, diversas vezes pulverizada com pesticidas num local longe do nosso olhar não é a mesmo que comer uma alface que cresceu naturalmente a partir da fertilidade do solo, mesmo que apresente algumas mordidelas de insetos e caracóis (o selo da verdadeira qualidade). Paralelamente, as práticas agrícolas industriais têm um impacto evidente nos solos, pelo consumo exagerado de água, na eutrofização dos sistemas hídricos, na poluição dos lençóis freáticos e, também, nas comunidades onde os meios de subsistência tendem a desaparecer pelos impactos económicos que um sistema agrícola fabril, muitas vezes localizado no outro lado do mundo longe da nossa perceção, impõe.

Sabemos que o objetivo último da autossuficiência exclusivamente com alimentos orgânicos (portanto, produzirmos 100% da nossa alimentação) é difícil e ambicioso. No entanto não é impossível e é para lá que estamos decididos a caminhar.

A agricultura seria assim obrigatoriamente uma atividade que iríamos desenvolver. De início não estava claro se esta seria uma atividade principal ou complementar. É possível viver de forma sustentável numa cidade - ainda que substancialmente mais difícil (ver por exemplo este documentário excelente: No Impact Man (2009)(pode ver aqui gratuitamente) - mas é muito mais fácil numa aldeia. Cedo percebemos que não haveria uma atividade mas sim um conjunto enorme de ideias que gostaríamos de experimentar e desenvolver. Umas mais acessíveis aos nossos conhecimentos e experiências; outras mais desafiantes da nossa criatividade e capacidade de aprendizagem. Uma coisa é certa, o caminho faz-se caminhando e, desde que o passo não seja maior que a perna (e mesmo que seja), a aprendizagem é uma constante. Com o tempo, haveremos de experimentar estas ideias e muitas mais. Mas para isso é necessário um terreno com espaço e tempo para o cultivar.

Para já, procurávamos essencialmente, para além do abrigo, um espaço que permitisse desenvolver alguma autossuficiência alimentar e energética, e que tivesse o potencial certo para transformarmos esse cantinho num local especial: o nosso lar.

Para resolver a questão de onde viver, pensámos em várias opções:

  • Adquirir uma ruína no centro da aldeia, reconstruindo-a na traça original, tradicional, e arrendar um terreno o mais perto possível (pois quanto maiores forem as deslocações de casa para a horta e de volta a casa maior é o tempo e energia desperdiçada);
  • Encontrar um terreno, de preferência com uma ruína, que desse para planear a nossa casa e a horta de forma integrada. Esta era uma solução mais indicada pois assim é possível criar sinergias diversas entre a casa e a horta com uma otimização dos recursos, incluindo o tempo;
  • Outra opção seria encontrar um terreno com uma área suficiente para construir a casa, fazer uma horta e - ainda não o havíamos decidido então - ter uma área para produção comercial.

A Permacultura ajudou em muito neste processo de procura e decisão das atividades que assegurassem a nossa subsistência. E assim, a pesquisa que fizemos sobre frutos silvestres começou a diferenciar-se de todas as outras possibilidades e a ressoar dentro de nós cada vez mais forte e claramente.

São plantas verdadeiramente fascinantes! Para além das propriedades antioxidantes dos seus frutos, são arbustos que podem chegar aos 80 anos de idade. São bastante resistentes ao frio (aliás, precisam de um mínimo anual de horas com temperaturas inferiores a 7ºC) e às geadas (desde que estas não coincidam com o período de floração). Para além disso, o tipo de solo e condições climáticas existentes em Sonim parecem servir como uma luva às suas necessidades.

Entretanto continuávamos à procura de terrenos. Costuma dizer-se que o que não falta são terrenos para cultivar mas o certo é que encontrar um terreno com alguma dimensão numa aldeia caracterizada pelo minifúndio não se estava a revelar uma tarefa fácil. A ajuda de um (futuro) vizinho, profundo conhecedor dos terrenos da aldeia, foi preciosa. Ficávamos sempre espantados com o conhecimento quasi-enciclopédico deste amigo: para além dos limites dos terrenos, conhecia os proprietários atuais e os anteriores, as culturas que melhor se davam naquelas terras que, muitas vezes, ajudou ele próprio em tempos idos a cultivar. Nunca estaremos suficientemente gratos à sua ajuda. Sem ele, provavelmente nunca conseguiríamos encontrar o “nosso espaço”.

Quando tínhamos conhecimento dum terreno com alguma área, lá nos colocávamos a caminho de Sonim felizes e esperançosos – “Desta é que vai ser!”. Mas, ou a área não chegava para as nossas ideias ou o preço pedido pelos proprietários estava fora das nossas possibilidades ou eram terrenos que estavam em disputas judiciais desde as partilhas entre os herdeiros há vários anos. Várias vezes tivemos que ligar para o estrangeiro pois os proprietários ou os seus descendentes já não moram em Sonim. Em 2013 batemos o nosso record de idas a Sonim no mesmo ano: 11 vezes; foi quase uma viagem por mês.

Por outro lado, não tínhamos uma noção clara de qual a área mínima que precisávamos. Um hectare é considerado o valor mínimo a partir do qual é economicamente viável o investimento em mirtilos; mas quanto é que seria necessário para fazer uma horta que fosse suficiente para alimentar a família? Nesta questão, a visita a diversas explorações de pessoas que vivem da terra mostrou-se essencial. As suas sugestões foram determinantes na formulação das nossas decisões. E fizemos amigos que não esqueceremos.

Em Agosto fomos visitar um terreno de família (sim, é verdade que a maioria das pessoas de Sonim acabam por ser primos em 2º ou 3º grau). Este era de familiares próximos e ficámos logo entusiasmados com as características: tinha uma área mais que suficiente (cerca de 2,2 ha); orientação a sul (para aproveitamento solar), um declive ligeiro (utilização da gravidade); não era cultivado há cerca de 20 anos (ou seja, não tinha pesticidas), e tinha bastante água. O único senão era ser distanciado da aldeia cerca de 2 km, o que iria restringir as nossas ideias de construir lá o nosso lar. A possibilidade de recuperar uma ruína no centro da aldeia recomeçou a ocupar os nossos pensamentos. Seria viável ter a produção comercial de mirtilos a 2 km (com deslocações que não teriam de ser diárias todo o ano) e um pequeno terreno arrendado para horta na aldeia?

"Seixo"

É bem certo aquele ditado que diz que “não há fome que não dê em fartura”: passado pouco mais de um mês de termos efetuado a escritura do “Seixo” surgiu outra oportunidade: um terreno mais ou menos da mesma área mas desta vez na aldeia. Daria para construir a casa, ter a horta e uma produção comercial. Com bastante esforço das nossas economias comprámo-lo e foi assim que a “Flor Agreste” apareceu na nossa vida. Tínhamos agora dois terrenos com um total de 4,4 ha e local para fazermos tudo aquilo (e muito mais) que tínhamos sonhado. 

“Flor Agreste”

Chamámos ao nosso projeto de vida “Vila Flor Agreste” pelas razões que já apresentámos antes aqui no blog.